A Engenharia de Alimentos e seu campo de atuação
A Engenharia Química teve desenvolvimento acentuado nas últimas décadas do século XIX consolidando-se como uma vasta área industrial que trabalha com transformações físico-químicas partindo da matéria prima até o desenvolvimento do produto final. Na primeira metade do século XX a Engenharia Química se consolidou, trazendo a ideia de tratar o processo global na indústria por partes – chamadas de operações unitárias – como um conceito estruturante fundamental dos vários processos de transformação na indústria desde a entrada dos recursos naturais como as matérias primas e insumos até a saída do produto final. Cada processo unitário é tratado isoladamente de forma distinta e depende de princípios físicos e químicos, os quais são muitas vezes complexos.
A Engenharia de Alimentos que era inicialmente tratada junto com a engenharia química surgiu em meados do século XX como profissão distinta desta, fundamentando-se nos processos de transformação de produtos alimentícios – processamento de alimentos – que nada mais é do que transformar as matérias primas junto com os insumos em produtos, por meio das operações unitárias. O primeiro curso de Engenharia de Alimentos do Brasil foi implantado na Universidade Estadual de Campinas em 1967, desde então o número de cursos vem aumentando gradualmente e em 2020 no Brasil foram formados 1790 engenheiros de alimentos, sendo 184 formados no Estado do Paraná em 10 cursos de graduação em Engenharia de Alimentos.
O Engenheiro de Alimentos apresenta formação básica em matemática, física e química e formação multidisciplinar assentada em princípios de ciência e tecnologia de alimentos para desenvolvimento e processamento de produtos, que se baseia em conhecimentos aplicados de microbiologia, bioquímica, nutrição, análise sensorial, bromatologia, controle de qualidade entre outros. Com relação especificamente aos conceitos de física e química do processo de transformação o Engenheiro de Alimentos possui conhecimento sobre transferência de quantidade de movimento, calor e massa, e todas as suas aplicações dentro das operações unitárias próprias da indústria de alimentos, bem como conhecimento das reações que governam as operações e as taxas das mudanças físicas, químicas e biológicas envolvidas. Por fim, o Engenheiro de Alimentos traz um arcabouço de competências e habilidades para planejar, dimensionar e projetar a linha de processamento de alimentos, equipamentos, embalagens, novos produtos e em todas as etapas da cadeia produtiva de alimentos.
Atualmente o Engenheiro de Alimentos busca inovações no desenvolvimento de novos produtos bem como nos processos da indústria de alimentos sempre com o primeiro objetivo de garantir a inocuidade do produto e no seu aumento global da qualidade, sobretudo a sensorial e nutricional.
Como toda a indústria a de alimentos tem como foco satisfazer aos anseios do consumidor, que nos últimos anos tendem a associar alimentos à saúde e buscam produtos com redução de calorias, açúcar, gorduras, sódio, conservantes químicos e aumento no teor de fibras. Portanto, cabe ao Engenheiro de Alimentos contemplar essa demanda dos consumidores somada a preocupação da sociedade de produção sustentável das empresas que precisam operar da forma mais eficiente possível, reduzir o desperdício de todas as formas e reutilizar e reciclar materiais sempre que possível. O Engenheiro de Alimentos deve entender o impacto ambiental das operações na indústria e buscar a sustentabilidade ambiental, incluindo as pegadas de carbono e hídrica.
A ciência de alimentos e a engenharia de alimentos compõem uma vasta área de suma importância sobretudo num país onde o agronegócio representa atividade econômica relevante, cuja participação na economia brasileira em 2020 atingiu 26,6% do produto interno bruto - PIB.
O Engenheiro de Alimentos vem contribuindo com o desenvolvimento científico e tecnológico aplicado na cadeia de processamento de alimentos para as necessidades estabelecidas pela indústria e sociedade de forma geral, suas funções incluem, mas não estão limitadas a:
- Planejar e projetar a linha de processamento, os equipamentos, os sistemas de armazenamento e transporte e as embalagens de alimentos;
- Aumento de escala de processos e equipamentos;
- Controle de qualidade do produto / processo;
- Pesquisa e desenvolvimento de produto / processo;
- Regulação e proteção da saúde pública;
- Segurança alimentar em toda a cadeia de produção;
- Engenharia e vendas técnicas.
O Engenheiro de Alimento na indústria é responsável por contribuir para que o processo de produção siga um rigoroso padrão de qualidade, buscando em todas as etapas da cadeia de produção a segurança alimentar, por elaborar estratégias para melhorar os resultados da empresa, através da diminuição dos custos de produção e otimização das matérias primas e insumos, mantendo a qualidade do produto final.
A indústria de alimentos do século XXI enfrenta o desafio de fornecer alimentos seguros, nutritivos e desejáveis que atendam aos hábitos alimentares dos consumidores e em longo prazo levar em conta o crescimento da população mundial, atentando para a mudança climática em curso poderá reduzir o suprimento de alimentos. A indústria de alimentos no Brasil é responsável por cerca de 10% do PIB, e emprega aproximadamente 20% dos trabalhadores da indústria de transformação do Brasil. Esse mercado apresenta potencial de crescimento para atender toda a demanda interna e externa de produtos alimentícios, o que criará novas oportunidades de trabalho.
Desde a antiguidade a humanidade vem aprimorando empiricamente métodos artesanais de conservação e de transformação de alimentos com objetivo de aumentar a vida de prateleira dos produtos. Os métodos de conservação de alimentos mais comuns e antigos são a secagem, defumação, salga e fermentação.
Segue-se como exemplo uma visão geral histórica de um produto muito apreciado atualmente. Por volta de 4000 a.C., pastores nômades armazenavam o leite fresco em bolsas feitas de pele animais. Os sacos eram atados aos camelos e o calor do seu corpo, em contato com o leite, associadas às altas temperaturas da região propiciava a multiplicação das bactérias lácticas presentes no leite responsáveis pela sua coagulação após algumas horas, originado assim o novo produto – o leite fermentado denominado de iogurte – com consistência de gel ou massa semissólida a qual os pastores apreciavam. Os microrganismos lácticos responsáveis pela fermentação do leite foram sendo selecionados através do uso contínuo dessas bolsas para armazenamento de leite, até que uma flora bacteriana propícia à fermentação do iogurte predominasse nelas. Depois que o produto “iogurte” era consumido as bolsas voltavam a ser cheias de leite fresco que, devido aos resíduos precedentes do “fermento lácteo”, se transformava novamente em leite fermentado. Portanto, o iogurte é um produto originário da fermentação que é um processo de conservação de alimentos. Outros produtos alimentícios muitos consumidos atualmente também tiveram origem na antiguidade através do processo de fermentação, como as bebidas, com destaque a cerveja. Atualmente, o consumo de iogurte está muito difundido no mundo e vários estudos já consolidaram muitos benefícios à saúde humana do consumo regular de iogurte. Graças ao desenvolvimento científico-tecnológico a produção de iogurte tem progressivamente conquistado novos consumidores. Portanto, quando o consumidor pega um iogurte na gondola do supermercado ele leva para casa um produto com mais de 6000 anos de desenvolvimento tecnológico, o qual nos últimos anos teve a contribuição significativa do trabalho dos engenheiros de alimentos que através de conhecimentos científicos e tecnológicos proporcionaram ao consumidor escolher o iogurte dentre uma vasta gama de tipos com diferentes consistências, sabores, com ou sem pedaços de frutas, adicionados ou não de componentes funcionais, entre outros. E importante, leva para casa um produto lácteo que foi preservado e estabilizado pelo processo de conservação, atendendo ao conceito de segurança alimentar em toda a cadeia de produção e garantindo ao consumidor um produto que lhe fará bem à saúde.
A área de atuação muito importante ocupada pelo Engenheiro de Alimentos nas indústrias é a de controle de qualidade, cada etapa do processo requer um padrão de qualidade previamente estabelecido, de acordo com as especificações técnicas desejadas pela empresa em consonância com uma série de regulamentos estipulados pelas leis brasileiras, para atendar e assegurar a saúde do consumidor e a preservação das características organolépticas necessárias dos produtos. O controle de qualidade na indústria de alimentos serve para medir a qualidade dos produtos e serviços oferecidos e certificar que eles estão de acordo com as especificações técnicas. Cabe ao Engenheiro de Alimentos implementar em cada etapa do processamento o programa de controle de qualidade visando à prevenção contra as contaminações e atender aos critérios de qualidade estipulados pela empresa, como: critérios sensoriais, microbiológicos, padronização, redução de perdas, entre outros.
O trabalho do Engenheiro de Alimentos na indústria contempla a visão global de todo o processo, geralmente trabalha em equipe e supervisiona diversas atividades dentro da indústria. Também pode trabalhar em laboratórios de desenvolvimentos de novos produtos e certamente passa muito tempo fazendo relatórios.
O Engenheiro de Alimentos tem um vasto campo de atuação dentro da área de processamento de alimentos e serviços. Para estar legalmente habilitado para atuar na sua área o Engenheiro de Alimentos precisa estar registrado no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia – Crea, conforme disposto na Lei Federal n° 5194 / 1966. A seguir segue os principais campos de atuação do Engenheiro de Alimentos:
Na indústria de alimentos na linha de produção;
Na supervisão ou coordenação da produção;
Na área de controle de qualidade na produção;
Na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos;
No planejamento e projetos de instalações industriais;
No tratamento de resíduos da indústria de alimentos;
Na área de vendas técnicas e marketing;
Na área acadêmica;
Na área de consultoria.
Na área de normatização e fiscalização em órgãos públicos.
Os maiores empregadores dos profissionais Engenheiros de Alimentos são as indústrias alimentos e de bebidas e a distribuição das vagas estão pulverizadas por todo o país, sendo que principalmente as empresas pequenas e médias difundidas na em muitas das cidades do Brasil empregam a maioria dos Engenheiros de Alimentos, que atuam como responsável técnico pelo processo de fabricação.
Em geral as pessoas leigas confundem a área da Engenharia de Alimentos com a da nutrição e gastronomia, sucintamente a diferença entre essas áreas é: a Engenharia de Alimentos é um curso de exatas que foca na produção de alimentos industrializados que os consumidores encontram nos supermercados. A nutrição é um curso da área de saúde que foca promoção, recuperação e manutenção da saúde por meio da alimentação. O nutricionista elabora diagnóstico nutricional dos pacientes, prescreve dietas e suplementos nutricionais, faz controle de qualidade dos alimentos em restaurantes e pode desenvolver e avaliar alimentos. A gastronomia estuda o preparo de refeições para consumo imediato e a administração de restaurante.
Texto: Eng. Alim. Maurício Rigo
Foto: blog engenharia 360